Eventos extremos em Roraima alertam para debate sobre crise climática

Eventos extremos em Roraima alertam para debate sobre crise climática
Primeira chuva de granizo foi vista no dia 14 deste mês, por moradores do bairro Cambará, que compartilharam vídeos de pequenas pedras de gelo caindo do céu – Foto: Reprodução

Neste mês, Roraima registrou eventos extremos, com chuvas acima da média esperada (15 mm) para o atual período de calor vivenciado no Estado. De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), os índices pluviométricos variaram entre 52 milímetros na zona oeste de Boa Vista e 14 milímetros de chuva na zona leste.

A primeira chuva de granizo foi vista no dia 14 deste mês por moradores do bairro Cambará, que compartilharam vídeos de pequenas pedras de gelo caindo do céu. A segunda foi registrada no último dia 15 por moradores da comunidade indígena Monte Moriá 2, que fica localizada na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Uiramutã, a 313 km de Boa Vista. As lideranças da comunidade gravaram vídeos mostrando as pedras caindo e uma chuva que durou meia hora.

A gestora ambiental do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Sineia Wapichana, é referência mundial no estudo da mudança climática a partir da perspectiva dos povos indígenas. Ela já vem alertando sobre as mudanças climáticas e participou, entre os dias 24 e 26 de outubro, no Centro Regional Lago Caracaranã, região da Raposa, na TI Raposa Serra do Sol, do intercâmbio de Enfrentamento às Mudanças Climáticas, atividade que faz parte da preparatória da Conferência Mundial de Mudanças Climáticas (CP-28), em Dubai.

A gestora destaca que os primeiros estudos sobre mudanças climáticas partiram da necessidade de uma conversa aberta sobre a proteção territorial, atividade exercida pelas lideranças indígenas há muito tempo e que somente agora com os espaços conquistados essas vozes são ouvidas.

Na capital, alguns moradores do bairro Cidade Satélite e Cambará também presenciaram a ocorrência rara do fenômeno.

“De primeira, fiquei sem acreditar que seria possível isso. Depois, tinha convicção de que era realmente granizo, por causa do barulho que fez no telhado, porém esperei mais informações ou relatos de outras pessoas, para se concretizar. E foi o que aconteceu”, conta Mika Nelly, moradora do bairro Cidade Satélite.

Por volta da meia-noite, eram notáveis os prejuízos deixados pelas tempestades. O Corpo de Bombeiros respondeu a 33 ocorrências relacionadas a árvores caídas, além disso o fenômeno extremo ocasionou casas destelhadas, estruturas arrancadas e instabilidade energética em alguns locais do Estado.

Efeitos da mudança climática no contexto roraimense

Em Roraima, alguns indicadores apontam um período seco para o final do ano, tendo agosto, setembro, outubro e novembro chuvas abaixo da média e temperaturas mais elevadas que o habitual. Segundo o comandante do Corpo de Bombeiros, coronel Anderson Matos, foram registrados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) muitos focos de calor, sugerindo a ocorrência de incêndios florestais e queimadas na região que causam graves consequências para o meio ambiente, a saúde da população e a agricultura local.

A ocorrência simultânea de dois fenômenos na Amazônia pode explicar a falta de chuva no Estado. O El Niño, que geralmente ocorre no fim do ano, representa o aquecimento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico Equatorial, mas as águas do Atlântico Tropical norte também estão se aquecendo, causando a inibição da formação de nuvens.

“O evento do Atlântico Tropical Norte está se somando ao El Niño. Dois eventos ao mesmo tempo são preocupantes. Tivemos isso entre 2009 e 2010, que foi a maior seca registrada na bacia do rio Negro nos últimos 120 anos”, explica o meteorologista Ricardo Senna, responsável pelo monitoramento da bacia amazônica no INPA.

Além disso, devido às mudanças climáticas deixarem os fenômenos naturais mais intensos, o El Niño chega a Roraima após o Estado passar por um longo período com a presença da La Niña, que é um fenômeno oceânico de resfriamento das águas superficiais nas partes central e leste do Pacífico Equatorial, o que provoca um aumento de chuvas.

“Passamos por La Niña por três anos consecutivos, um fato raro de acontecer. Geralmente, é somente um ano, às vezes de dois em dois anos. É a primeira vez que aconteceu no século e desde os primeiros registros do fenômeno é apenas a terceira vez que ocorre algo assim”, explica o meteorologista diretor de recursos hídricos da Fundação Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh), Ramón Alves Martins.

Situação do Norte

De acordo com o Boletim de Alerta Hidrológico da Bacia do Amazonas (SAH AMAZONAS), a Bacia do rio Branco continua descendo em Boa Vista e Caracaraí, apresentando níveis baixos para o período. Os dados são de 19 de setembro a 18 de outubro.

Mas não é só Roraima que está sofrendo as consequências das mudanças climáticas. Manaus, no estado vizinho, tem temperaturas que ultrapassam os 40°. A cidade e os arredores também estão passando por um período de queimadas intensas que cobriram o céu de uma camada grossa de fumaça.

O volume de água de um dos principais rios do Norte, o Amazonas, em Itacoatiara, apresentou em 19 de outubro o nível de 90 cm, considerada a maior vazante desta estação em relação à série de dados. Em Parintins, o Amazonas continua descendo e apresenta níveis muito próximos da vazante de 2010 (-186 cm). Em Óbidos e Almerim, o rio continua em processo de recessão, com níveis considerados baixos para a época.

Futuro de Roraima em relação ao clima

Segundo mostram os indicadores do Centro de Previsão do Clima (CPC) e do Serviço Nacional de Meteorologia da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) dos Estados Unidos, há 95% de probabilidade do El Niño se prolongar até março de 2024 e 71% de chance do fenômeno persistir com um calor anormal.

Segundo o meteorologista Ramón Alves, os eventos climáticos extremos em Roraima serão cada vez mais frequentes devido ao tipo de clima que o Estado apresenta.

“Temos um clima de transição, com zonas climáticas de floresta e de savanas também. Os eventos que ocorrem nesse clima de transição são mais drásticos e, quando associados ao aquecimento dos oceanos Pacífico e Atlântico Norte, temos mais um agravante”, ressalta o meteorologista.

As lideranças indígenas já citam que o forte calor e o baixo volume de chuvas estão prejudicando as plantações e o acesso à água, provocando grandes consequências para a agricultura, pois impactam nos ciclos reprodutivos das colheitas.

Diante da alarmante situação do Estado, o governo de Roraima lançou em 16 de outubro a campanha “Verão Seguro”, que tem por objetivo aplicar ações “prévias” de combate à estiagem.

A prefeitura de Boa Vista informou que a Defesa Civil faz um trabalho preventivo junto à população, reforçando as orientações sobre como proceder durante a incidência de eventos climatológicos, que são fundamentais para a minimização dos possíveis danos, principalmente no que tange à preservação da vida.

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Por Redação

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