Irmão de presidente da CPI do MST negou, como comandante militar, combate ao garimpo em Roraima

Irmão de presidente da CPI do MST negou, como comandante militar, combate ao garimpo em Roraima
Militares da 1ª Brigada de Infantaria de Selva posam com crianças Yanomami – Foto: Reprodução/Twitter

A passagem do general Marcelo Lorenzini Zucco pelo comando da 1ª Brigada de Infantaria de Selva, em Boa Vista, foi marcada pela omissão das Forças Armadas frente à invasão de garimpeiros na Terra Indígena (TI) Yanomami.

Dispensado da função em 25 de maio deste ano para iniciar o tratamento contra um câncer, o irmão do deputado Luciano Zucco (Republicanos-RS), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foi apontado, ainda em 2022, como um dos responsáveis por retardar as operações militares contra o garimpo em Roraima.

O fato ocorreu durante uma diligência da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (CDHMIR) da Câmara dos Deputados, entre os dias 11 e 12 de maio do ano passado, para avaliar a situação do povo Yanomami da região Waikás.

Sob coordenação da ex-deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), atual presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a comitiva se reuniu com o general Marcelo Zucco para cobrar providências sobre as invasões.

‘Tem muito trabalhador envolvido com garimpo’

Em resposta, o comandante militar – nomeado dois meses antes, em 31 de março, pelo ex-presidente Jair Bolsonaro – afirmou que não adiantava fazer grandes operações contra o garimpo

“Demora muito. São lugares de difícil acesso. A média são 31 dias para chegar até lá, e a outras regiões, só por meio de aeronaves. Se houver uma grande operação, tem que posicionar aeronaves, e, nesse momento, todos eles lá no garimpo vão ficar sabendo. Nas operações, quando se realiza a destruição de pistas, no dia seguinte ela é remontada, se transformando numa ação desnecessária”, afirmou Zucco.

General Marcelo Zucco justifica inação do Exército em reunião com membros da CDHMIR – Foto: Roberto Stuckert Filho

O general foi interpelado pelo senador Humberto Costa (PT-PE), que o cobrou quanto a um pedido feito pela comissão para sobrevoar a TI Yanomami, que não teria sido respondido pelo Exército até àquela altura. “No momento que posicionamos aeronaves para ir, todo mundo já vai saber, não há disponibilização do elemento-surpresa, há dificuldade de realizar esse flagrante”, respondeu.

Ele encerrou a reunião afirmando que o principal empecilho para o Exército seria a “questão cultural”. “Tem muito trabalhador envolvido com garimpo”, concluiu.

As afirmações do general Marcelo Zucco mostraram-se falsas. Com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em janeiro, 272 acampamentos de garimpeiros ilegais foram destruídos pela Polícia Federal (PF) dentro do território Yanomami. Segundo dados da corporação, alertas de garimpo ilegal tiveram uma redução de 96,6% em comparação com o mesmo período do ano passado. No início de maio, o Ministério da Justiça e Segurança Pública iniciou a última fase da Operação Yanomami, com Marcelo Zucco como subcomandante.

Após ser exonerado do comando da 1ª Brigada de Infantaria de Selva, Zucco foi incorporado como adido ao Comando Militar do Sul.

Encontros com ‘senador do garimpo’

A diligência da CDHMIR realizada em maio de 2022 não contou apenas com parlamentares alinhados à causa indígena. Entre os participantes da comitiva, estavam dois políticos roraimenses historicamente ligados ao garimpo: o ex-senador Telmário Mota (Pros) – derrotado na disputa pela reeleição – e o atual representante do Estado no Senado, Chico Rodrigues (União).

Famoso por tentar esconder dinheiro na cueca durante uma batida da Polícia Federal (PF), em 2020, Rodrigues era dono de uma aeronave suspeita de prestar suporte logístico ao garimpo, tendo sido flagrada entrando e saindo diversas vezes na TI Yanomami, conforme noticiado pela Repórter Brasil.

Apenas quatro dias após a visita da comissão a Boa Vista, em 16 de maio, o senador voltaria a se encontrar com o general Marcelo Zucco. Desta vez, em uma comitiva do Ministério da Infraestrutura, que visitou o 6º Batalhão de Engenharia da Construção (6º BEC) para verificar o andamento de obras na rodovia BR-432, executadas pelo Exército na capital roraimense.

Este mesmo batalhão, vinculado ao Comando Militar da Amazônia, tornou-se alvo do Ministério Público Federal (MPF) após assinar, em 10 de março, um contrato com a empresa Cataratas Poços Artesiano – ré por exploração ilegal de minérios na TI Yanomami. O órgão pediu a suspensão do contrato, de R$ 185 mil, através de dispensa de licitação. A obra previa a construção de um poço artesiano na região de Surucucu. Segundo o processo, o MPF requereu a proibição de acesso ou permanência dos sócios da empresa no território indígena.

Um dos sócios da empresa é o empresário Rodrigo Martins de Mello, conhecido como Rodrigo Cataratas, candidato a deputado em 2022 pelo PL, em Roraima. Ele foi indiciado em cinco inquéritos da PF por crimes ambientais, lavagem de dinheiro, associação criminosa e usurpação de matéria-prima da União. Segundo a denúncia, Rodrigo e seus comparsas forneciam a infraestrutura para outros grupos de garimpo operarem, com a instalação irregular de pistas de pouso e o transporte ilícito de combustíveis, além de promover a extração e comercialização de minérios.

Operação contra o garimpo realizada em 2023 – Foto: Divulgação/Ibama

Em fevereiro de 2023, a Justiça Federal negou a prisão de Cataratas pela sexta vez. A defesa dele nega que o garimpo ilegal tenha sido cometido em terra indígena.

No mesmo mês, uma Comissão Temporária do Senado foi instaurada para realizar diligências junto aos Yanomami. Presidido por Chico Rodrigues, o grupo foi acusado pelo MPF, Funai e associações indígenas de realizar uma visita ilegal à TI, sem a devida autorização. A viagem foi registrada pelo senador em sua conta do Twitter.

Em entrevista ao jornal SBT News, o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami, Júnior Hekurari, afirmou que, durante a visita, o general Marcelo Zucco ameaçou funcionários e indígenas que questionaram a presença de Rodrigues no território. Segundo Júnior, Zucco usou “tom de ameaça” e afirmou que não precisava de autorização da Funai para circular na reserva com o parlamentar. Os pacientes internados na Unidade Básica de Saúde Surucucu teriam fugido com medo.

Durante reunião da Comissão Externa no Senado, Chico Rodrigues foi inquirido por Eliziane Gama (PSD-MA) e Humberto Costa (PT-PE) por não ter respeitado os procedimentos para a visita na TI.

Militares negaram socorro ao povo Yanomami

Segundo dados do Ministério dos Povos Indígenas, mais de 99 crianças Yanomami morreram em decorrência da presença do garimpo dentro dos limites da TI Yanomami em 2022. Em janeiro deste ano, a crise humanitária ganhou destaque internacional quando fotos de crianças desnutridas em aldeias da etnia repercutiram mundo afora. Segundo levantamento da Hutukara Associação Yanomami (HAY), o garimpo ilegal cresceu 54% em 2022 e devastou 5.053 hectares do território indígena.

Essa expansão se deu, em grande parte, pela inação das Forças Armadas durante o governo de Jair Bolsonaro. Em entrevista ao Poder 360, o Procurador do Ministério Público Federal em Roraima, Alisson Marugal, citou especificamente a omissão do Exército – então sob comando do general Marcelo Zucco – como um dos fatores que desencadearam a crise humanitária.

O que percebemos, ao longo das discussões, é que havia grande resistência do Ministério da Defesa de determinar que agentes locais pudessem combater o garimpo, tanto assim que, nas operações, o Exército só atua com apoio logístico, e cobrando depois os valores que gastou nas operações.”

A fala do procurador é confirmada por líderes indígenas. Em 2021, antes de Zucco assumir o cargo de comandante, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) enviou três ofícios solicitando a ajuda da 1ª Brigada de Infantaria de Selva em Roraima para garantir a segurança da comunidade indígena. Durante todo o ano de 2022, o posto emergencial não foi instalado. Apenas em 2023, após a transição de governo, o Exército realizou a montagem de uma base de operações na região da Base de Proteção Etnoambiental Palimiú.

Segundo reportagem do The Intercept, o governo Bolsonaro ignorou ao menos 21 pedidos formais de ajuda aos Yanomami.

*Com informações do observatório De Olho nos Ruralistas

https://oanalitico.com.br/politica/2023/05/20/comissao-dos-yanomami-recebe-na-terca-ministros-para-discutir-desenvolvimento-socioeconomico-de-roraima/

https://oanalitico.com.br/policia/2023/05/17/mpf-da-prazo-de-dez-dias-para-receber-informacoes-sobre-retirada-de-garimpeiros-da-terra-yanomami/

https://oanalitico.com.br/politica/2022/05/02/senado-aprova-diligencias-para-apurar-acoes-de-combate-ao-garimpo-na-terra-yanomami/

Por Redação

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