MP Eleitoral defende ações para garantir maior inserção de indígenas na política
Em audiência pública realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nesta segunda-feira (2), o Ministério Público Eleitoral (MPE) defendeu a adoção de medidas para fomentar a participação de indígenas nas eleições e no meio político. Para o órgão, a inserção de mais representantes dos povos originários em postos de liderança em todo o país é fundamental para que o grupo tenha voz na definição de políticas públicas e na defesa de direitos fundamentais.
A audiência debateu a criação de cota indígena para a distribuição dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e para a reserva do tempo de rádio e TV, durante o período eleitoral.
Representando a Procuradoria-Geral Eleitoral no evento, a procuradora da República Nathália Mariel Pereira reforçou a necessidade de criar ferramentas complementares à política de cotas, para assegurar a fiscalização efetiva da ação afirmativa a fim de se evitar desvios e garantir o cumprimento dos objetivos estabelecidos.
“Não podemos cair no erro de criar uma política afirmativa sem a possibilidade de controle da ação, para que ela não seja desviada na prática”, afirmou.
Nesse sentido, ela destacou que a definição da identidade indígena, para fins de cotas eleitorais, deve respeitar o princípio da autodeterminação – em que a pessoa se declara de determinada etnia – aliado a outras ferramentas de controle já utilizadas nas universidades federais de forma exitosa.
De acordo com a procuradora, o sistema universitário de cotas indígenas leva em consideração na definição dos beneficiados, além da autodeclaração, a chancela da própria comunidade, com participação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) no processo.
Além disso, para Nathália Mariel, qualquer política de cota eleitoral que venha a ser criada deve beneficiar não apenas os habitantes de territórios oficialmente demarcados, mas também povos de áreas ainda não homologadas ou indígenas que vivem fora de suas terras tradicionais, inclusive nas cidades. A procuradora lembrou que o Brasil é um dos países do mundo que mais enfrenta problemas decorrentes de atrasos na demarcação, inclusive com condenações internacionais, o que poderia inviabilizar a participação de um grande contingente de indígenas no processo eleitoral.
Conforme Natália, esses são pontos fundamentais a serem considerados na esfera eleitoral, para evitar desvios na finalidade da política e impedir que ela seja usada como instrumento de reforço à discriminação dessas populações. Outra questão levantada pela procuradora é a necessidade de se desenvolver medidas paralelas de inclusão indígena em todo o processo eleitoral, dadas as dificuldades geográficas que determinados povos enfrentam tanto para votarem quanto para serem candidatos nos pleitos.
“Ainda temos diversas terras com acesso difícil por estradas, por água ou por ar. É necessário pensarmos, neste momento prévio, em políticas paralelas de incentivo a essa maior participação”, pontuou.
Violência política
A representante do MP Eleitoral também demonstrou preocupação com a questão da violência política direcionada a povos indígenas no processo eleitoral. Para ela, em paralelo às medidas de incentivo a financiamento e maior participação, é preciso pensar em ações que não deixem essas populações ainda mais vulneráveis a ataques violentos, por participarem do debate político.
Nathália lembrou que os povos indígenas já enfrentam, em sua maioria, cenários de violência, seja na luta por territórios ou pela manutenção de seus modos de vida, e que o ambiente político é, por si só, propício a acentuar o quadro de conflitos.
A procuradora – que também é coordenadora adjunta do Grupo de Trabalho do MP Eleitoral de combate à violência política contra a mulher – destacou ainda a necessidade de uma abordagem de cotas para indígenas que leve em consideração o gênero. O objetivo, segundo ela, é evitar a discriminação de mulheres indígenas nesse processo, de forma que seja assegurado a elas acesso proporcional a financiamento público e a tempo de campanha em rádio e televisão.
“A reserva do tempo de propaganda e do financiamento vai incidir mais facilmente nos homens indígenas, as mulheres indígenas vão passar despercebidas na análise dessas políticas”, alertou.
Audiência
Intitulado “Políticas de incentivo a candidaturas indígenas”, o evento foi convocado pelo ministro do TSE Nunes Marques, relator de uma consulta feita pela deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) à Corte sobre o tema.
A parlamentar indaga sobre a possibilidade de estender às populações indígenas o mesmo entendimento firmado para a promoção da participação feminina e de pessoas negras na política, com reserva de recursos para financiar as candidaturas indígenas, além do tempo de rádio e TV, o chamado direito de antena.
Célia Xakriabá considera que a consulta busca uma reparação histórica, diante da demora de séculos para que indígenas chegassem a postos de poder no Brasil. Ela reforçou a necessidade de investir em candidaturas para eleger, por exemplo, deputados estaduais indígenas, de forma a dar força a mais de 305 povos e 274 línguas indígenas.
“Não quero estar sozinha no Congresso Nacional. A nossa luta é para eleger indígenas comprometidos com a causa. Nosso compromisso é pela demarcação dos territórios, mas também pela demarcação das telas, da universidade e da política, porque chegamos para desconcertar, ressignificar, reflorestar, mulherizar, indigenizar, porque nenhuma política pode ser monocultural”, defendeu a parlamentar durante a audiência.
Participaram dos debates representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), do Ministério dos Povos Indígenas, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Defensoria Pública da União (DPU) e de partidos políticos, entre outros. O evento tem como objetivo coletar contribuições para subsidiar o exame do tema pelo Plenário do TSE.
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