63% dos indígenas vivem em terras não oficializadas; Raposa Serra do Sol e TIY somam mais de 53 mil habitantes

63% dos indígenas vivem em terras não oficializadas; Raposa Serra do Sol e TIY somam mais de 53 mil habitantes
Indígenas fizeram mobilização contra tese do marco temporal – Foto: AFP

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na semana passada invalidar a tese do marco temporal das terras indígenas – que pregava que a demarcação de territórios só poderia ocorrer em comunidades que já ocupavam esses locais quando a Constituição atual foi promulgada, em 5 de outubro de 1988.

A pauta foi uma das mais discutidas e disputadas nos últimos anos, com os indígenas brasileiros considerando o resultado no Supremo uma vitória, ainda que não definitiva. Mas quantos são e como estão distribuídos os indígenas brasileiros?

O Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cujos resultados começaram a ser divulgados em julho, trouxe dados atualizados do panorama da população indígena no país. Com o material, reportagem produziu quatro gráficos explicativos.

Alta de quase 90% na população indígena

Segundo o IBGE, os indígenas no Brasil são mais de 1,69 milhão de pessoas. Esse total representa 0,83% do total da população brasileira.

Os números mostram um grande aumento em relação aos dados do Censo anterior, de 2010, quando a população indígena era de 896,9 mil e representava 0,47% do total.

O crescimento de 88,8% na população indígena registrada é em parte explicado por uma mudança na metodologia do IBGE. Em 2022, o Censo encontrou mais terras indígenas do que em 2010 e passou a fazer uma pergunta a mais para as pessoas entrevistadas em certas localidades.

A identificação de indígenas no Censo normalmente acontece quando alguém responde “indígena” à pergunta “qual é sua cor?”.

No entanto, o IBGE notou que muitas pessoas com ascendência indígena respondiam que sua cor é “parda”.

Por isso, em 2022, os recenseadores passaram a fazer a pergunta “você se considera indígena?” à lista de perguntas em locais que não são oficialmente terras indígenas, mas onde se sabe que há presença de povos originários.

Isso fez com que o Censo captasse muito mais pessoas que se consideram indígenas, segundo o IBGE.

Percentuais da população indígena de 2010 e 2022 não são totalmente comparáveis devido à mudança de metodologia no questionário feito pelo IBGE – Fonte: Censo 2022/IBGE/Gráfico: BBC

“Essa diferença acontece porque as pessoas olham muito para a cor da pele quando essa pergunta [qual é sua cor?] é feita. Mas quando você faz a pergunta a mais [se a pessoa se considera indígena], isso abre para uma série de outros critérios de etnia que a pergunta sobre cor não responde”, afirmou à reportagem em agosto o pesquisador Tiago Moreira, do Instituto Socioambiental (ISA), uma das organizações da sociedade civil convidadas pelo IBGE a acompanhar a elaboração do Censo.

Ou seja, muitas pessoas reconhecem sua ancestralidade indígena muito mais através de sua herança cultural do que pela cor da pele.

“A pergunta remete à ascendência indígena, diferente da pergunta sobre a cor, que existe em um contexto mais restrito. Muitas vezes, as pessoas são descendentes, até militam no movimento indígena, mas respondem pardo para a cor da pele”, afirmou Moreira após a publicação dos dados no mês passado.

Segundo o pesquisador, a pergunta “qual é sua cor” gera confusão e não é muito boa para captar a etnia das pessoas, mas ela é mantida por um motivo importante — a possibilidade de fazer comparação histórica precisa com censos anteriores, que já a usavam.

Mudanças limitam a possibilidade de comparação de um ano com o outro — a inclusão da pergunta sobre os indígenas em 2022 também limita a comparação com 2010 devido ao aumento na detecção da população indígenas gerado pela mudança de metodologia.

Distribuição pelo país e recuperação da identidade

Para entender detalhadamente o aumento da população indígena, são necessários os dados sobre natalidade e mortalidade, que ainda não foram divulgados pelo IBGE.

No entanto, ao menos parte da alta pode ser atribuída a um grande movimento de recuperação da identidade indígena, que tem se fortalecido nos últimos anos.

“A gente tem um movimento antigo de recuperação dessa identidade, dos descendentes dos povos originários voltarem a se reconhecer, a prestar atenção nessa identidade, nessa ancestralidade”, disse Tiago Moreira, do ISA.

Gráfico: BBC

“A população indígena é o grupo social que mais cresce, que tem fecundidade alta. E isso está refletido nesse dado [de aumento da população]”, afirmou.

No entanto, dentro das terras indígenas, essa população parece estar crescendo menos do que crescia antes — algo que precisa ser confirmado pelos próximos dados divulgados pelo IBGE.

Uma das hipóteses a ser confrontada com as novas informações é a de que essa aparente redução pode ser resultado dos efeitos devastadores da covid-19 dentro das terras indígenas.

Segundo estudos epidemiológicos feitos pela Fiocruz, os indígenas foram um dos grupos mais vulneráveis durante a pandemia.

36,73% dos indígenas vivem em territórios delimitados

O Censo mostrou que a maior parte dos indígenas do Brasil — cerca de 63% — vive hoje fora dos territórios indígenas oficialmente limitados. Por isso, de acordo com o pesquisador Tiago Moreira, o atendimento específico aos indígenas não pode ficar restrito aos territórios delimitados.

“São dados muito importantes para planejamento de políticas públicas, para se ampliar o atendimento especial que leve em consideração as línguas, os valores e as necessidades de cada povo”, afirmou o pesquisador.

A terra indígena com maior número de pessoas indígenas hoje é a Terra Indígena Yanomami (TIY – AM/RR), com 27 mil pessoas, o equivalente a 4,36% do total de indígenas em terras indígenas no país.

O segundo maior número é na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), com 26.176 habitantes indígenas.

Gráfico: BBC

Os dados do Censo 2022 mostram ainda que quase metade (49,1%) da população indígena vivendo atualmente em terras demarcadas se encontra na Região Norte.

No levantamento, o Censo fez a pesquisa em 573 terras indígenas. Só foram consideradas as que tinham processos de regularização concluídos na época.

A expectativa é que a rejeição da tese do marco temporal no Supremo tenha impacto em cerca de 300 processos de demarcação em curso.

Bahia é segundo Estado em população indígena

Outro dado que chama atenção é que, embora cinco Estados (AM, BA, MS, PE, RR) concentrem 61,43% da população indígena (veja gráfico acima), o IBGE registrou presença indígena na maioria dos municípios do Brasil — em 4.480 dos 5.568.

O município com maior número de pessoas indígenas em 2022 foi Manaus (AM), com 71,7 mil pessoas.

Já a maior proporção ficou em cidades como Uiramutã (RR), onde 96,6% dos habitantes são indígenas; Santa Isabel do Rio Negro (AM), com 96,2%, e São Gabriel da Cachoeira, com 93,17%.

Gráfico: BBC

Com informações da BBC News Brasil

https://oanalitico.com.br/destaques/2023/08/07/censo-2022-aponta-uiramuta-cidade-mais-indigena-do-brasil-como-unica-a-dar-vitoria-a-lula-em-estado-pro-bolsonaro/

https://oanalitico.com.br/destaques/2023/08/07/roraima-ocupa-quinto-lugar-entre-estados-com-maior-numero-de-pessoas-indigenas-segundo-censo-2022/

https://oanalitico.com.br/destaques/2023/09/26/apos-derrubar-marco-temporal-stf-vai-decidir-sobre-indenizacao-a-fazendeiros-e-mineracao-em-terras-indigenas/

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Por Redação

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