Bolsonaro contratou ‘entidade sem fins lucrativos’ com R$ 3 bilhões pendentes para cuidar de saúde Yanomami

Bolsonaro contratou ‘entidade sem fins lucrativos’ com R$ 3 bilhões pendentes para cuidar de saúde Yanomami
Invadida por garimpeiros e abandonada pelo governo Bolsonaro, Terra Indígena Yanomami sofre com malária, contaminação por mercúrio e desnutrição severa – Foto: Condisi-YY/Divulgação

Uma auditoria do Ministério da Saúde analisada pelo Ministério Público Federal (MPF) questiona a contratação, pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), da Missão Evangélica Caiuá para atuar com saúde indígena no território Yanomami. Segundo o relatório, a organização soma mais de R$ 3 bilhões em “convênios que ainda não tiveram o processo de prestação de contas concluído”.

A Missão Evangélica Caiuá, identificada no Portal da Transparência do governo como uma entidade privada sem fins lucrativos, foi fundada em 1928. Ela tem convênios com o Executivo federal pelo menos desde 1999, dos quais 50 estão vigentes atualmente.

A apuração do ministério encontrou uma série de irregularidades em um contrato firmado no segundo semestre de 2019, junto à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Yanomami, e que chegou a R$ 182,2 milhões.

A auditoria diz, inclusive, que os funcionários que supostamente deveriam fazer o acompanhamento da execução do convênio e a fiscalização eram enfermeiros que nem sequer tinham conhecimento de tal atribuição.

Questionado, o Ministério da Saúde diz que não renovará o convênio, que se encerra neste ano, que abriu novo edital para diversos Dseis e que “os contratos firmados pela atual gestão da Sesai respeitam todos os processos legais para a contratação”. Procurada por e-mail, a entidade não respondeu.

O período em que foi feita a contratação e os aditivos no acordo com a Caiuá (2019 a 2022) coincide com o tempo em que o distrito foi comandado por apadrinhados do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), aliado de Bolsonaro.

Segundo a procuradoria, também foi nessa época em que funcionou no Dsei uma operação ilegal para desvio de medicamentos, com a participação de funcionários do órgão.

A auditoria da Saúde foi feita em dezembro de 2022 e aproveitada pelo procurador Alisson Mangual em um relatório sobre o Dsei-Yanomami de maio deste ano.

Como revelou a reportagem em janeiro, a Sesai elaborou um relatório mostrando que o distrito de saúde Yanomami foi sucateado pelo governo Bolsonaro.

O documento registra remédios vencidos, seringas orais reutilizadas indevidamente e fezes espalhadas em unidades de atendimento, além de desvio de comida e de medicamentos para tratamento de malária.

O relatório ainda aponta a curva de evolução da doença no território e mostra que o número de casos em indígenas explodiu durante a gestão passada.

Relatório ainda aponta curva de evolução da malária no território e mostra que número de casos em indígenas explodiu durante a gestão passada – Foto: Divulgação

Bolsonaro também incentivou o garimpo, inclusive propondo leis para regulamentar a extração dentro dos territórios indígenas, o que hoje é proibido. De 2020 para 2022, a atividade ilegal triplicou na região, segundo dados da PF.

O contrato alvo da auditoria do Ministério da Saúde tinha valor inicial de pouco mais de R$ 40 milhões e aumentou em mais de três vezes após uma série de aditivos.

A auditoria questiona o fato de a empresa ter sido contratada mesmo somando mais de R$ 3 bilhões em outros 32 convênios firmados entre 2011 e 2018 —já encerrados, mas que, em dezembro de 2022, ainda não tinham a devida prestação de contas finalizadas.

A pasta e a procuradoria apontam para a “liberação de recursos de convênios, sem a comprovação da adequada aplicação de verbas anteriormente liberadas”.

Quando feita a análise do processo de fiscalização do contrato, a auditoria descobriu que os funcionários supostamente destacados para esta função eram enfermeiros contratados pela própria Caiuá.

A pasta os entrevistou. “Em respostas, os fiscais, de forma geral, informaram desconhecimento de qualquer procedimento, providência em relação aos questionamentos. Informando que: somente tiveram conhecimento da designação como fiscais no momento da entrevista; que não receberam capacitação para atuarem como fiscal”, diz a auditoria.

Segundo as respostas dadas pelos funcionários, eles também não tinham senha de acesso à plataforma para acompanhar os gastos com o convênio.

“Enfim revelaram que não cumprem o papel de acompanhamento dos resultados em relação à execução, da verificação dos prazos de execução, da qualidade do atendimento e à comprovação da boa e regular aplicação dos recursos”, completa o relatório.

Dentre os inúmeros problemas apontados por Saúde e MPF, está também a “falta de comprovação da capacidade técnica e operacional da conveniada para a realização do objeto e das atividades previstas no convênio”.

A análise também dá conta de que a Caiuá não foi capaz de apresentar um plano de trabalho satisfatório e que sua contratação aconteceu sem a apresentação de estudos técnicos que indicassem a quantidade de profissionais necessários para a atuação junto à saúde Yanomami.

Também é constatado que valores repassados à entidade foram usados para pagamentos não relacionados ao objeto do contrato e que esse problema foi identificado também em outros convênios feitos com a Caiuá em distritos de saúde indígena, como no Vale do Javari (AM), em Manaus e em Mato Grosso do Sul.

Segundo o seu próprio site, a Missão Evangélica é sustentada por três vertentes da igreja presbiteriana, atua junto aos indígenas caiuás, guaranis, xavantes e kadwéus, no Brasil e no Paraguai.

“A instituição promove em seus campos de trabalho ações que visam trazer dignidade ao indígena e proteção da infância e juventude”, diz o texto institucional da organização.

Com informações da Folha de S. Paulo

https://oanalitico.com.br/politica/2023/08/27/relatorio-demonstra-como-bolsonaro-estrangulou-saude-yanomami-quase-700-criancas-morreram-de-2019-a-2022/

https://oanalitico.com.br/destaques/2023/07/23/terra-yanomami-comeca-a-se-recuperar-com-saida-de-garimpeiros-mas-casos-de-malaria-e-desnutricao-ainda-preocupam/

https://oanalitico.com.br/destaques/2023/05/24/mais-de-120-morrem-em-4-meses-de-operacao-assistencial-aos-yanomami-45-sao-criancas-de-ate-4-anos/

https://oanalitico.com.br/destaques/2023/05/18/helicoptero-da-marinha-resgata-idosa-yanomami-com-sintomas-de-tuberculose-malaria-e-anemia-grave/

Por Redação

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *