Famílias venezuelanas lideradas por mulheres se organizam para financiar terrenos e construir casas em Roraima

Famílias venezuelanas lideradas por mulheres se organizam para financiar terrenos e construir casas em Roraima
Mulheres venezuelanas do João de Barro fazem rodas de conversa para adquirir informações e articular ações para demandar seus direitos no Brasil – Foto: Paola Bello/ONU Mulheres Brasil

Por algum tempo, a ocupação espontânea Ka’Ubanoko foi um dos destinos de famílias venezuelanas, em especial indígenas, que chegavam ao Brasil em busca de melhores condições de vida. Abandonado desde 2008, o prédio público localizado no bairro Jóquei Clube, zona Oeste de Boa Vista, começou a ser ocupado no início de 2019 por cerca de 900 moradores.

No fim daquele mesmo ano, porém, as mais de 150 famílias começaram a receber a ordem de desocupação do prédio. Pouco a pouco, o lugar foi esvaziado, sendo totalmente desocupado em janeiro de 2021.

Enquanto algumas famílias aceitaram a oferta de mudança para os abrigos instalados na capital, outras começaram a lutar por um espaço próprio. Com esse objetivo, ao menos 11 famílias venezuelanas lideradas por mulheres saíram do Ka’Ubanoko e chegaram ao loteamento João de Barro – e se somaram a cerca de outras 40 famílias venezuelanas lideradas por mulheres que habitam a região atualmente.

Por meio da articulação, conseguiram negociar a compra dos terrenos, pagos em parcelas acessíveis e com baixos juros. As casas foram construídas pelas próprias mãos, muitas com resto de materiais recicláveis. Agora, a comunidade venezuelana soma esforços para que a área disponha de serviços essenciais, como água encanada e saneamento, coleta de lixo, iluminação pública, escola e posto de saúde.

Tania é uma das mulheres líderes no João de Barro. Mãe de duas crianças e única responsável pela renda familiar, ela conta, com orgulho, sobre as conquistas que tem alcançado.

“Gosto de viver aqui porque sou a dona da minha terra. Apesar de que vivo em um barraco, feito por nós mesmas, com materiais inadequados, mas posso dizer que tenho algo meu, não pago aluguel, sei que é algo meu. No mês de julho, termino de pagar as parcelas e poderei dizer que tenho algo próprio”, comemora. “Não tem sido fácil, é uma tarefa muito difícil, mas já se vê uma luz no caminho, que é a entrega de um papel definitivo, um título, em um país que não é nosso. Para nós, é bastante maravilhoso ter uma terra própria”.

Articulação e participação política

O loteamento João de Barro foi fundado em 2009 e, em 2013, foi declarado como Área Especial de Interesse Social – primeiro passo para a democratização do acesso à terra pela população de baixa renda. Isso significa que, além da regularização da posse dos terrenos, quem mora no local tem direto a acessar serviços como coleta de lixo, iluminação e transporte público. As demandas atuais, porém, são ainda mais essenciais que essas.

Com acesso à terra própria, venezuelanas refugiadas e migrantes conseguem plantar para consumo das famílias e negociar produção excedente no comércio local – Foto: Paola Bello/ONU Mulheres Brasil

“Para além do transporte, da luz, de muitas coisas, a água se tornou a questão mais fundamental para nós aqui. Porque, como podemos limpar nossas crianças, lavar, fazer comida? A água é importantíssima”, declara Tania. Ela conta que, sem acesso à água encanada, cabe às mulheres encher recipientes em um rio próximo, com água não potável – em uma tarefa árdua sob o sol e no calor de Boa Vista. “O governo até começou a fazer a primeira fase de instalação, mas ainda falta muitíssimo para completar”.

Além da falta de água encanada e do saneamento básico, as famílias do João de Barro enfrentam dificuldades para garantir direitos fundamentais, como acesso a à saúde e escola para as crianças. O bairro mais próximo, Cidade Satélite, fica a cerca de cinco quilômetros e, de acordo com Tania, há apenas transporte público em três horários – às 7h, 12h e 19h. Apenas recentemente a prefeitura disponibilizou ônibus para garantir o transporte das crianças até a escola – para os adultos, porém, seguem os ônibus circulares em apenas três horários do dia. “Não temos escola perto, não temos rede de saúde aqui, não temos nada disso. Mas são problemas mais distantes quando comparados ao problema da água”.

Desde quando estavam no Ka’Ubanoko, várias venezuelanas que hoje moram no João de Barro têm contato com as iniciativas e cursos oferecidos pela Agência da ONU para Refugiados (Acnur), ONU Mulheres e Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), com o apoio do Governo de Luxemburgo – primeiro, pelo programa conjunto LEAP (Liderança, Empoderamento, Acesso e Proteção), e, atualmente, pelo Moverse.

As informações e os processos de sensibilização dos quais elas vêm participando têm contribuído para que conheçam mais sobre seus direitos no Brasil e hoje se articulem para formar uma associação de moradoras. Dessa forma, cerca de cinco dessas famílias lideradas por mulheres têm atuado de forma mais unida e, assim, garantem voz mais forte na cobrança por políticas públicas e serviços à população.

“Nossa principal conquista aqui é que estamos unidas, queremos fazer uma associação. Estamos unidas, somos irmãs venezuelanas, conhecemos nossos problemas, sabemos o que cada uma passa, e estamos nos unindo não apenas a nível pessoal, mas também comunitário”, declara Tania. “Se vamos individualmente [demandar ao poder público], não nos escutam. Mas como coletivo organizado, quando reclamamos, registramos uma exigência, estou certa de que vamos ser ouvidas. Então, estamos nos organizando juridicamente, legalmente, e este é o nosso objetivo até agora, para podermos ser ouvidas, para podermos ter um nome”.

Grupo de mulheres venezuelanas no João de Barro alcança cerca de cinco famílias que atuam por condições dignas de moradia – Foto: Paola Bello/ONU Mulheres Brasil

Mesmo sem ainda ter a associação formada legalmente, as primeiras demandas do grupo já foram ouvidas. Durante o II Encontro de Mulheres Refugiadas e Migrantes do Norte, realizado em março, elas puderam apresentar diretamente as necessidades da comunidade a representantes dos poderes municipais e estaduais. Para Tania, foi um pequeno passo que marca o início de uma jornada essencial.

“No encontro, teve várias figuras governamentais, figuras institucionais que estiveram no evento e fomos ouvidas. E nos deram respostas, nos deram argumentos. Para nós, foi bastante enriquecedor, porque voltamos com uma esperança de termos sido escutadas, de que as coisas vão melhorar”.

Sobre o Moverse

No Brasil, Acnur, ONU Mulheres e UNFPA, com o financiamento do Governo de Luxemburgo, desenvolvem conjuntamente o programa Moverse – Empoderamento Econômico de Mulheres Refugiadas e Migrantes. O objetivo é o fortalecimento dos direitos econômicos e das oportunidades de desenvolvimento entre venezuelanas refugiadas e migrantes.

O programa é realizado desde setembro de 2021 e envolve empresas, instituições e governos nos temas e ações ligadas a trabalho decente, proteção social e empreendedorismo.

O Moverse também atua diretamente com mulheres refugiadas e migrantes, para que elas tenham acesso a capacitações e a oportunidades no mercado de trabalho e no empreendedorismo. Outra frente de trabalho do programa é ligada à violência baseada em gênero.

Com informações da Acnur

https://oanalitico.com.br/destaques/2023/06/19/roraima-ja-tem-180-mil-venezuelanos-diz-denarium-durante-forum-no-mt-maioria-nao-tem-qualificacao-profissional/

https://oanalitico.com.br/cidades/2023/06/16/pacaraima-no-norte-de-roraima-deve-receber-de-ministerio-r-12-milhao-para-apoio-a-500-imigrantes-e-refugiados/

https://oanalitico.com.br/destaques/2023/06/14/entrada-de-venezuelanos-por-pacaraima-dispara-com-mais-criancas-idosos-e-doentes-aumento-em-um-ano-e-de-643/

https://oanalitico.com.br/destaques/2023/06/11/mais-de-104-mil-roraima-e-o-segundo-estado-da-regiao-norte-com-maior-volume-de-solicitacoes-de-refugio/

Por Redação

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