Indígenas são um terço dos defensores de direitos humanos assassinados; Roraima é o quarto estado com maior número de assassinatos de lideranças
Indígenas representam quase um terço de defensores de direitos humanos assassinados no país. Os dados fazem parte de um relatório divulgado nesta quarta-feira (14) pelas entidades Justiça Global e Terra de Direitos. O estudo mapeou 1.171 violações ocorridas de 2019 a 2022. Do total, 169 são assassinatos. Três defensores de direitos humanos foram mortos por mês no país, em média, no período analisado.
O Maranhão é o estado com maior número de assassinatos de lideranças indígenas (com 10 casos), seguido de Mato Grosso do Sul (9), Amazonas e Roraima (7, cada um). No total, foram 50 ocorrências desse tipo.
O incentivo à mineração em territórios indígenas, a intensificação de ações de grileiros e fazendeiros e a ausência de políticas públicas de demarcação de terras estão entre os fatores que motivaram os assassinatos de defensores indígenas. Os indígenas correspondem a 29,6% dos defensores mortos; pessoas negras são 17,8%. A média de idade das pessoas assassinadas é 41 anos.
Defensores homens cisgênero são a maior parte das vítimas (82,2% do total). Mulheres cisgênero representam 9,5% das vítimas. Homens e mulheres trans são 5,9% do total — os pesquisadores dizem que há subnotificação das ocorrências envolvendo pessoas LGBTQIA+. A maior parte dos assassinatos ocorreu com um tiro (34,3%) ou múltiplos tiros (29%). Em 11 assassinatos, há sinais de tortura.
Ocorrências em todo o país
Todos os estados da federação tiveram ao menos uma ocorrência de violência mapeada entre 2019 e 2022. A unidade da federação com maior número de violações contra defensores de direitos humanos é o Pará, com 143 casos, seguido do Maranhão, com 131. Norte e Nordeste concentram o maior número de violações — com 31,5% e 32,4% dos casos, respectivamente. Segundo a coordenadora da Justiça Global, Sandra Carvalho, as duas regiões registram ações de grupos de extermínio, além dos conflitos de terra. No Ceará, ela destaca a forte atuação de organizações criminosas.
Entre as violações mapeadas, as ameaças representam 49,4% do total, com 579 casos. Em segundo lugar, estão os atentados com 16,8%, e em terceiro, os assassinatos com 14,4%. Outros registros correspondem à criminalização (quando entram com ação na Justiça contra o trabalho dos defensores), deslegitimação, agressão física, importunação sexual e suicídio.
A maior parte das violências é praticada por agentes privados. Entre os casos em que a pesquisa identificou o agente responsável, 58,8% são fazendeiros e seguranças privados. Agentes públicos correspondem a 41,2% do total.
Como reduzir esses números?
A coordenadora da Justiça Global afirma que a investigação, a fiscalização de territórios e o programa de proteção aos defensores de direitos humanos precisam ser melhorados. “Normalmente, identificam os executores, mas não chegam aos mandantes, que, muitas vezes, estão envolvidos em mais de um caso”, diz Sandra Carvalho.
O Ministério dos Direitos Humanos já havia anunciado que vai retomar ações de proteção aos defensores dos direitos humanos, desmontadas nas gestões anteriores. O levantamento avaliou o período de governo de Jair Bolsonaro (PL). Algumas pessoas são ameaçadas por anos e só depois de muito tempo materializam-se os homicídios. Como ameaça é considerado crime de menor potencial ofensivo, muitas vezes não são investigadas ou mapeadas”, complementa a coordenadora da Justiça Global.
‘Vivo numa prisão domiciliar’
A coordenadora do Cita (Conselho Indígena Tapajós Arapiuns), Auricélia Arapiun, 36, foi perseguida e ameaçada de morte ao atuar como defensora de direitos humanos na região do Baixo Tapajós, no Pará. Os dois filhos dela também foram ameaçados — um com uma arma ao sair de casa para ir à escola e o outro foi atropelado por uma moto enquanto brincava na rua.
O relatório aponta que a violência também é comumente praticada contra familiares de lideranças, sobretudo, crianças e adolescentes.
Em 2020, ela virou alvo após ação para suspender o plano de manejo de madeireiros dentro da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns. Em 2021, passou a receber ameaças de morte. “Fizeram um projeto de exploração sem consultar os povos indígenas e comunidades tradicionais. Ia virar um caos”. Hoje, a defensora vive com os filhos em uma ocupação com câmeras de segurança e cerca elétrica. “Perdemos totalmente a liberdade”.
“Senti muito medo pelos meus filhos, eles acabam ficando expostos. Depois dessas últimas ameaças, fiquei bem abalada. Quem é punido somos nós. Mas nenhuma ameaça vai me fazer parar de lutar”, garante Auricélia.
Exilada para pesquisar conflitos ambientais
A geógrafa e professora da USP Larissa Bombardi teve de deixar o Brasil após ser ameaçada. A perseguição começou depois que ela lançou o atlas “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”, em 2019. O estudo fez com que uma rede de orgânicos da Escandinávia passasse a boicotar produtos brasileiros, de acordo com ela. Com a repercussão, vieram intimidações feitas por pessoas ligadas ao setor agropecuário.
Ela recebeu mensagens ameaçadoras por e-mail e teve a casa assaltada em 2020. Hoje, vive em Bruxelas, na Bélgica, e se dedica ao pós-doutorado, em trabalho sobre conflitos ambientais. “Se a professora diz que pulverização aérea não é uma coisa segura, então eu convido a professora a dar uma voltinha no avião pra ver como tem segurança”, diz trecho de mensagem enviada à pesquisadora Larissa Bombardi.
*Com informações do UOL
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