PCC recruta venezuelanos para ampliar ‘exército’ em Roraima e no exterior; no Estado, são mais de 1,6 mil ‘batizados’
O PCC tem recrutado a mão de obra de pessoas de origem venezuelana para atuar no tráfico de drogas em Roraima e aumentar o número de membros batizados na Venezuela. Autoridades e pesquisadores afirmam que o Estado tem uma importância estratégica por fazer fronteira com a Venezuela e estar próximo da Colômbia.
O recrutamento de venezuelanos para fazer parte do PCC ocorre dentro e fora dos presídios de Roraima. O promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo, Lincoln Gakiya, afirma que o batismo de venezuelanos faz com que a facção amplie a presença também na Venezuela.
A droga que o PCC exporta para a Europa vem da Colômbia e do Peru. “O olhar sobre Roraima é pela proximidade da fronteira com a Colômbia sem tomar o Amazonas, cuja presença maior é da Família do Norte [FDN] e Comando Vermelho [CV]”, diz o promotor.
É dentro dos presídios que acontece uma parte dos batismos, os rituais da facção para oficializar o vínculo e tornar os membros “irmãos”. “Na medida em que essas pessoas vão para a prisão, elas criam relações e são batizadas”, diz o sociólogo Rodrigo Chagas, pesquisador do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Fronteiras da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Mas hoje, a formalização dos vínculos com a facção ocorre também nas ruas. O procurador de Justiça Criminal Márcio Sérgio Christino afirma que, na maioria dos casos, os venezuelanos chegam às prisões já envolvidos com o PCC.
“A relação [com venezuelanos] se dá muito mais por causa do tráfico. A maior parte deles é ligada ao PCC antes de chegar à prisão. A formalização do vínculo ocorre no sistema prisional porque ali há o domínio físico da facção”, destaca.
Roraima, um estado estratégico
A localização geográfica de Roraima é dos fatores que coloca o Estado como um dos mais importantes para o crime organizado. Dados do Ministério Público de São Paulo, de novembro de 2021, mostram que Roraima é o 6º estado com maior presença da facção, com 1.601 integrantes batizados.
A mão de obra venezuelana para o tráfico de drogas é mais barata do que a nacional, segundo o procurador Christino. “Por isso, o PCC cria uma relação de oportunidade com a região”.
Há interesse do PCC em manter e ampliar a presença em Roraima, mais do que em outros estados da Região Norte. Segundo Gakiya, o Estado é uma rota “interessante” para o tráfico internacional de cocaína.
Apesar da hegemonia do PCC em Roraima, há registros de grupos venezuelanos também presentes no território. Chagas, que pesquisa o narcogarimpo na região, afirma que há indicadores da presença de membros do grupo venezuelano Tren de Aragua no Estado, mas não há uma disputa de poder.
“O crime fortalece o crime”. O lema do PCC, lembra Gakiya, indica que a facção só “entra em rota de colisão” se algum líder declarar guerra contra a organização paulista. Segundo Christino, as organizações locais acabam suprimidas pelas ações do PCC.
Outras organizações se expandem até que seja conveniente para o PCC, segundo o procurador. “O PCC não permite que cresçam além do que seja conveniente para eles”, diz Christino. Uma das formas de controlar a influência de outros grupos é vazar informações para a polícia.
Em agosto de 2020, o Ministério Público de Roraima (MPRR) denunciou 19 pessoas de origem venezuelana batizadas pelo PCC. As fichas de batismo foram obtidas a partir de anotações encontradas na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (PAMC).
A operação foi a primeira a vincular o PCC a venezuelanos no Estado, de acordo com o promotor de Justiça Carlos Alberto Melotto. “Essa denúncia foi o marco inicial. Foi feita uma apreensão de fichas de batismo, com informações sobre quem eram os padrinhos, quando foram batizados e se passaram pelo sistema prisional da Venezuela”, afirma.
Entre os denunciados, cinco foram presos por tráfico de drogas em pontos dominados pelo PCC. Segundo o documento, ao menos 13 cumpriam pena na Venezuela, cinco foram presos por homicídio e latrocínio e os demais, acusados de roubos, tráfico de drogas e furtos.
A investigação e a denúncia reuniram anotações com dados de batismo dos denunciados com nome, o vulgo, a referência (pessoa que se responsabiliza pelo batizado), data do batismo e local de origem (país, estado e município).
Um dos denunciados, o “irmão” apelidado de Cabello era o que aparentava ter posição hierárquica superior em relação ao restante do grupo, segundo Melotto. Ele conferia extratos, dava ordem de pagamento de compra de drogas e armamentos e compras de casa de apoio, pagamento para parentes de presos.
Em depoimento à polícia, Cabello disse que havia 740 venezuelanos pertencentes ao PCC em Roraima e que a organização fez uma aliança com a facção venezuelana Tren de Aragua. Ele relatou que ocupava a função de Resumo das FMs de Estados e Países.
“[O PCC] continua batizando venezuelanos. É interessante para eles porque passam a ter venezuelanos agindo dentro da Venezuela já batizados com a bandeira do PCC. Aí, o PCC ganha mais um país”, explica Lincoln Gakiya.
PCC no sistema prisional
A migração venezuelana para Roraima, intensificada em 2015, impactou também nas estatísticas das prisões, segundo Chagas, da UFRR e do FBSP.
O principal presídio do Estado, a PAMC tem 1.731 pessoas privadas de liberdade. Dessas, 304 são venezuelanas. Em dezembro de 2019, eram 265, segundo dados obtidos pelo com a Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania.
Chagas destaca que, ao entrar na PAMC, aumentam as chances de esses presos terem contato com a facção de origem paulista – ainda que nem todos os imigrantes venezuelanos privados de liberdade tenham ligações com o PCC.
Em 2023, a população prisional de todo o Estado é de 4.666 pessoas. O número é quase o triplo dos 1.604 detentos registrados em 2014. O governo de Roraima informou que a PAMC passou por intervenção federal no final de 2019.
“Desde então, foram implantados procedimentos de segurança para toda a atuação dentro do presídio, desde uma simples abertura de cela para atendimento de rotina como procedimentos para situações mais complexas”.
Segundo o governo, a “unidade prisional está controlada por conta desses procedimentos de segurança, que fiscalizados rigorosamente pelos chefes de segurança, deixa o ambiente mais seguro tanto para os internos quanto para os policiais penais e demais servidores que trabalham nesse local”.
PCC nas ruas
Diferentemente do CV, que tem autonomia para agir nos estados, o PCC “espelha” em todas as regiões que atua a forma de administrar consagrada em São Paulo. “Em Roraima, a sintonia geral deve satisfação a quem está em São Paulo. Em termos de estatuto, salves, tudo tem que seguir todas as diretrizes do PCC de São Paulo”, diz Gakiya.
Contudo, os integrantes podem se dedicar a atividades criminais isoladas. “Eles têm autonomia para fazer o que quiserem dentro do Estado. O criminoso vai procurar oportunidades ligadas ao lucro e a um risco baixo de punição. Nunca saiu nenhum ‘salve’ sobre se dedicar ao garimpo ilegal. Isso vai para o bolso do criminoso”.
Com informações do UOL
https://oanalitico.com.br/destaques/2023/07/02/pcc-e-cv-impulsionam-desmatamento-na-amazonia-faccao-paulista-atua-como-sindica-do-garimpo-na-terra-yanomami/
https://oanalitico.com.br/policia/2023/06/19/pcc-divide-roraima-em-19-regionais-para-controlar-trafico-de-drogas-5-delas-estao-concentradas-em-boa-vista/
https://oanalitico.com.br/policia/2023/05/19/audios-revelam-disputa-entre-atual-lider-do-pcc-no-garimpo-e-mulher-de-ex-chefe-da-faccao-morto-em-confronto/
https://oanalitico.com.br/policia/2023/05/01/garimpeiro-morto-em-confronto-com-prf-e-ibama-na-terra-yanomami-era-chefe-de-faccao-e-foragido/